As mudanças climáticas e os fenômenos extremos

04/07/2016 às 15:47
por Redação

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Pesquisadores relacionam eventos extremos, como as recentes cheias na Europa, ao aquecimento global.

O verão europeu deste ano teve um início torrencial, com severas inundações, que atingiram grande parte do continente. Pelo menos 18 pessoas morreram em maio, durante fortes chuvas, seguidas de enchentes, que atingiram França, Alemanha, Bélgica e Romênia.


O rio Sena, na França, transbordou, quando suas águas atingiram os níveis mais altos em mais de 30 anos. Na Baviera, enchentes danificaram casas e carros, obrigando alguns moradores a buscarem segurança subindo em seus telhados.

Turistas que planejam férias na Europa começam a refazer seus planos, enquanto os moradores se perguntam se a mudança climática tem algo a ver com isso. Segundo os pesquisadores, a resposta, pelo menos na França, é: provavelmente.

Cientistas do programa de pesquisa World Weather Atrribution (WWA) analisaram as fortes chuvas e inundações na França e na Alemanha em maio para tentar saber a probabilidade de a mudança climática ter contribuído para os eventos.

"Sabemos que o aquecimento global leva a mais chuvas em geral, mas, com esta análise, conseguimos relacionar diretamente o aquecimento global com as recentes tempestades na França, que provocaram tanta inundação e destruição", explica Robert Vautard, cientista do Laboratório de Ciências do Clima e Meio Ambiente (LSCE), envolvido na pesquisa.

"Estas últimas inundações na Europa ilustram o impacto crescente de eventos climáticos extremos, inclusive em países desenvolvidos e bem preparados, como a Alemanha e a França", frisa Maarten van Aalst, diretor da Centro de Clima da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.


Mudança de abordagem

Os resultados ainda foram conclusivos sobre a ligação entre as mudanças climáticas e as inundações na Alemanha. Mas o estudo é um dos mais recentes em um número crescente de pesquisas associando o aquecimento global mais diretamente às condições meteorológicas extremas, o que sugere uma diminuição da hesitação anterior de ligar os dois fatos.

Van Aalst afirma que esta mudança vem acontecendo gradualmente na comunidade científica ao longo dos últimos dez anos, essencialmente por pesquisadores que mudam sua abordagem. "A questão dez anos atrás era 'será que esta onda de calor é um evento de mudança climática?'", lembra van Aalst. Os cientistas pensam agora mais sobre a possibilidade existente de um fenômeno meteorológico ter sido causado pelas alterações climáticas.

Desde então, mais pesquisas têm sido focadas em analisar os extremos climáticos através do crescente campo científico da "atribuição" das alterações climáticas.

Estudos de atribuição tentam determinar as causas de eventos únicos e incomuns, relacionados com o clima – e compreender como os seres humanos estão influenciando o clima, observando se a mudança climática tornou determinados eventos mais fortes ou mais prováveis de ocorrerem.


Fatores naturais e humanos

Para Kerry Emanuel, professor de meteorologia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), a mudança realizada no sentido de verificar a probabilidade de a mudança climática afetar um determinado evento climático é uma forma correta de abordar o problema.

"Não podemos e não devemos dizer que uma onda de calor em particular foi causada pelo aquecimento global", frisa. "Mas podemos dizer que a probabilidade de um evento como esse agora é diferente atualmente do que era na era pré-industrial."

Mas nem todos os eventos climáticos extremos estão associados a mudanças climáticas relacionadas com a atividade humana, e eventos extremos incomuns têm sido sempre uma parte variável do clima. O desafio para os cientistas é separar fatores naturais de fatores humanos.

"Há uma tentação de se atribuir todo evento extremo ao aquecimento global, assim como na década de 80 todos os eventos climáticos extremos eram atribuídos a El Niño", destaca Emanuel, acrescentando que neste último caso, poucas dessas atribuições estavam corretas. "Esta tentação deve ser evitada."

Para as pessoas que vão atrás do sol em suas viagens de verão na Europa, extremos climáticos ligados ao aquecimento global podem significar uma maior chance de chuvas intensas, mas também ondas de calor, em particular no Mediterrâneo.


Mais calor e mais tempestades

Jeff Knight, pesquisador do Met Office – Serviço Nacional de Meteorologia do Reino Unido – lembra que o clima do verão aqueceu em toda a Europa em mais de um grau desde 1900.

E a maior parte desse aquecimento pode ser atribuída às alterações causadas pelo homem, principalmente pela emissão de gases de efeito estufa. "Esta mudança já aumentou drasticamente a frequência das ondas de calor", diz. "O verão europeu deve ficar ainda mais quente no futuro."

Quem gosta de calor vai dar boas-vindas às altas temperaturas – mas para outros, isso pode ser letal, em um continente pouco adaptado para lidar com o clima quente. "Na Europa, hospitais e asilos geralmente não são climatizados, e as pessoas não bebem água suficiente, porque não estão acostumadas a um clima tão quente. Isso é um risco, especialmente para idosos e doentes crônicos", sublinha Van Aalst.

Embora a Europa possa não estar perfeitamente equipada para lidar com eventos climáticos extremos, está relativamente bem preparada em comparação a regiões de menos recursos, ou seja, nos países em desenvolvimento.

"Nas enchentes em Paris, o Louvre transferiu suas obras de arte, o que mostrou como eles são organizados, mas em muitos países, os governos sequer conseguem proteger bem as pessoas", diz o especialista.