Em 2024, o planeta atingiu um novo marco climático: foi o ano mais quente já registrado, com temperaturas globais ultrapassando 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, segundo o serviço europeu Copernicus [1]. O calor extremo se intensificou em quase todas as regiões do planeta, e suas consequências vão muito além das altas temperaturas registradas nos termômetros. Uma delas, cada vez mais evidente, está nos preços dos alimentos.
De acordo com um estudo recente publicado na revista Environmental Research Letters [2], os extremos climáticos, como ondas de calor, secas severas e chuvas intensas, estão impulsionando picos abruptos nos preços de produtos alimentares em diversos países. Esses impactos, por sua vez, têm desencadeado riscos em outras áreas da sociedade: da segurança alimentar à estabilidade política.
O elo entre clima e inflação alimentar
A pesquisa conduzida por Kotz et al. (2025) mostra que os extremos climáticos estão se tornando uma das principais causas de inflação alimentar no mundo. O calor afeta diretamente a produtividade agrícola, reduz a oferta e encarece os produtos. Esse processo é mais rápido e volátil do que os índices médios de inflação captam, afetando alimentos específicos com força.
Exemplos recentes incluem:
Coreia do Sul e Japão (2024): ondas de calor elevaram o preço do repolho coreano em 70% e do arroz japonês em 48% em relação ao ano anterior.
Estados Unidos (2022): uma seca histórica na Califórnia fez o preço dos vegetais disparar 80%.
União Europeia (2023–2024): a seca na Península Ibérica elevou os preços do azeite em mais de 50%.
Costa do Marfim e Gana (2024): calor e seca reduziram a produção de cacau, e o preço internacional subiu cerca de 300% em relação a 2023.
Em São Paulo, o preço médio do arábica entregue em outubro de 2024 estava em R$ 1.490,14 por saco de 60 kg, frente a R$ 829,44 em outubro de 2023. Isso representa um aumento de cerca de 80% ao ano. [8]

O contexto climatológico dos recentes picos dos principais preços dos alimentos induzidos pelo clima
Além do impacto local, essas oscilações climáticas afetam os mercados internacionais de commodities alimentares, gerando um efeito dominó em países que não estão diretamente expostos ao evento climático em si.
O Head de Operações e especialista em mudanças climáticas, Pedro Regoto, explica que no Brasil, a vulnerabilidade climática também afeta alimentos-chave. “A seca prolongada no Centro-Oeste e Sudeste impactou a produção de milho, soja, cana de açúcar, café, além de frutas e verduras, pressionando o preço de desses produtos e seus derivados. Estudos já indicam que os extremos climáticos no país tendem a se intensificar nos próximos anos, exigindo ação coordenada entre setores”, afirma Regoto.
Efeitos em cadeia: da mesa à política
O aumento nos preços dos alimentos tem impactos que vão além da economia:
Segurança alimentar: famílias de baixa renda gastam uma fatia maior da renda com alimentação. Um aumento abrupto nos preços pode levar à fome, ao consumo de alimentos menos nutritivos e ao comprometimento de outras despesas essenciais.
Saúde pública: dietas menos saudáveis, forçadas por preços altos, estão associadas a doenças crônicas, desnutrição infantil e piora da saúde mental [3].
Inflação e instabilidade monetária: alimentos mais caros pressionam o índice de preços ao consumidor, dificultando o controle da inflação por bancos centrais, especialmente em economias emergentes [4].
Risco político: ao longo da história, crises alimentares precederam levantes sociais e instabilidade política, da Revolução Francesa à Primavera Árabe. Pesquisas recentes indicam que a inflação alimentar pode reduzir apoio a governos e aumentar o voto em partidos extremistas [5].
Adaptação e prevenção: o papel da inteligência climática
Mitigar esses riscos exige uma combinação de ações climáticas, políticas públicas e tecnologia de monitoramento. O estudo destaca algumas frentes prioritárias:
Previsões sazonais e climáticas multianuais: ferramentas de inteligência climática podem oferecer alertas precoces sobre extremos e seus impactos esperados na agricultura [6]. Isso ajuda produtores, governos e o mercado financeiro a se anteciparem.
Estratégias de adaptação agrícola: mudanças no tipo de cultivo, uso racional de água e novas práticas agronômicas são fundamentais. No entanto, há limites importantes: em regiões como a Catalunha, a escassez de água levou à redução forçada da irrigação em 80% durante secas prolongadas [7].
Proteção social e segurança alimentar: políticas públicas que protejam os mais vulneráveis, como subsídios vinculados à inflação ou redes de nutrição para crianças, gestantes e idosos, são fundamentais para evitar o agravamento das desigualdades sociais.
Um futuro mais quente exige decisões mais inteligentes
Com os atuais compromissos climáticos, o mundo caminha para um aumento de temperatura entre 2,2 °C e 3,4 °C até o fim do século. Isso significa que eventos climáticos nunca visto na história, como os de 2023/2024, se tornarão cada vez mais comuns. E com eles, virão novos choques no sistema alimentar e novas pressões sociais.
A inteligência climática passa a ser uma ferramenta fundamental, não apenas para prever o tempo, mas para compreender riscos sistêmicos. Monitorar extremos climáticos, antecipar impactos e apoiar políticas públicas baseadas em evidências será cada vez mais parte do papel das instituições e empresas comprometidas com o futuro.
“Estamos entrando em uma era em que entender o clima é entender o mercado, o abastecimento e até a estabilidade social. A inteligência climática deixou de ser apenas uma ferramenta técnica, ela se tornou um ativo estratégico para governos, empresas e a sociedade.”, afirma Regoto.
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