Num mundo cada vez mais urbano, onde mais de 50% da população vive em cidades — índice que tende a ultrapassar 70% até 2050, segundo dados das Perspectivas da Urbanização Mundial da ONU (World Urbanization Prospects, 2018) — a forma como construímos e planejamos o espaço urbano se torna decisiva para o enfrentamento das mudanças climáticas.
De acordo com a NASA, um dos fenômenos mais críticos nesse cenário é o das ilhas de calor urbanas (ICUs), zonas nas cidades onde a temperatura pode ser até 7 °C maior do que em áreas vegetadas vizinhas.
As ICUs não são apenas uma consequência das mudanças climáticas, mas amplificam seus impactos, exacerbando as desigualdades socioambientais. Elas revelam de forma clara o contraste entre áreas que possuem infraestrutura de adaptação, como espaços verdes e sombreamento, e aquelas que são mais vulneráveis à exposição ao calor extremo.
Será que as cidades podem ser consideradas tanto vilãs como aliadas?
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), as áreas urbanas devem se adaptar com urgência. O relatório AR6 (2023) aponta que:
“As áreas urbanas são pontos críticos da vulnerabilidade climática. A forma como essas áreas são planejadas, geridas e adaptadas pode mitigar significativamente os impactos adversos.”
Ou seja, o planejamento urbano é uma das chaves para virar o jogo.
Cidades como São Paulo e Recife já sentem os efeitos. No centro expandido da capital paulista, a diferença de temperatura entre bairros com baixa arborização (como Sé e Mooca) e regiões mais verdes (como Parelheiros e Capela do Socorro) pode chegar a 4 °C, segundo pesquisas da USP e da Prefeitura. Essa diferença atinge diretamente a saúde pública, elevando riscos de doenças respiratórias, cardiovasculares e aumentando a mortalidade em ondas de calor.
Em Recife, áreas mais pobres e densamente povoadas coincidem com os maiores índices de ICU. Um estudo publicado pela American Meteorological Society mostrou que bairros periféricos sofrem mais com o calor extremo, e têm menos acesso a medidas de adaptação, como áreas verdes e ventilação natural.
A solução está no verde!
A boa notícia é que já existem soluções eficazes sendo implementadas, com potencial para serem ampliadas. O Greenpeace Brasil defende a adoção de planos de adaptação climática com foco em justiça ambiental, que priorizem áreas mais vulneráveis para intervenções verdes: plantio de árvores, telhados verdes, corredores ecológicos e materiais urbanos que absorvem menos calor.
Nesse sentido, o IPCC recomenda uma abordagem integrada que combine urbanismo, justiça social e adaptação climática. Isso inclui ações como:
Equidade no acesso a áreas verdes;
Regulação do uso do solo e adensamento inteligente;
Infraestrutura verde e azul (parques, espelhos d’água, jardins de chuva);
Participação comunitária na gestão urbana.
Reduzir ilhas de calor não é apenas uma questão ambiental, mas uma medida de saúde pública, justiça social e eficiência urbana. Incorporar soluções baseadas em dados, na natureza e priorizar as áreas mais vulneráveis são caminhos concretos para tornar as cidades mais resilientes e preparadas para o futuro.