O sertão vai virar... deserto?

18/06/2020 às 12:46
por Redação

Atualizado 09/09/2020 às 22:38

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Nesta semana a ONU destaca a luta contra a desertificação, problema que já atinge seis localidades do Brasil

 

Muita gente já ouviu a famosa profecia feita por Antônio Conselheiro no final do século XIX : o sertão vai virar mar. O que nem todos sabem é que a ciência está indicando exatamente o contrário: em pelo menos seis localidades, todas no Nordeste, a desertificação é oficialmente reconhecida (1). Três delas ficam na região de Cabrobó, no Pernambuco (Inhamus, Irauçuba e Jaguaribe), uma no Ceará (Seridó) e uma entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

 

O caso mais adiantado de desertificação do país, afetando uma área que engloba 15 municípios e 7.759 km² – o equivalente a cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo – fica em Gilbués, região com Clima que varia entre semiárido e subúmido no sul do Piauí. Historicamente, a vegetação original típica da Caatinga e do Cerrado foi desmatada para dar lugar à agricultura e à pecuária. Sem a proteção das plantas nativas, o solo delicado se tornou quebradiço, e a cada temporada de chuvas, a erosão se intensifica, gerando grandes buracos, chamados tecnicamente de voçorocas. 

 

Como a palavra sugere, desertificação é o processo de virar deserto, que é caracterizado pela degradação profunda do solo, com perda de umidade e de nutrientes. Ele ocorre em regiões áridas, semiáridas e subúmidas e é causada por variação climática ou ação humana. O conceito surgiu nos anos 1970, mas só duas décadas depois, durante a Eco-92 – Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento –, realizada naquele ano, no Rio De Janeiro, é que foi estabelecida a definição mais aceita atualmente. E ainda foram necessários outros dois anos para que a ONU instituísse, em 1994, o dia 17 de junho como o Dia Mundial do Combate à Desertificação. A data marca o início de uma Convenção do órgão sobre o tema, ratificada por diversos países, incluindo o Brasil.

 

O problema recebe atenção internacional porque afeta a produção de alimentos, levando pequenos agricultores a migrarem, aumentando a pobreza e a desigualdade. A ONU estima que ao menos 100 países têm alguma região que está passando pelo processo de desertificação neste momento.

 

 

Núcleo de desertificação em Gilbués, Sertão do Piauí

 

Chuva no deserto

Pode parecer estranho que haja uma temporada de chuvas numa região em processo de desertificação, mas não é a pluviosidade que define se uma zona é ou pode virar um deserto. Em Lima, capital do Peru, não há praticamente nenhum índice de precipitação (em média, 16 milímetros ao ano), mas a cidade não se caracteriza como uma zona desértica. São as características do solo que dizem se uma localidade está se desertificando.  

 

Em Gilbués, o índice de precipitação varia em torno de 1.200 milímetros ao ano, de maneira concentrada principalmente entre dezembro e março. A fragilidade do solo faz com que a chuva não seja adequadamente absorvida, o que contribui para o assoreamento do leito seco dos riachos, intensificando o processo de desertificação. A região degradada está próxima ao Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, e se o problema não for tratado, essa área de manancial pode ser afetada, comprometendo o abastecimento de cidades do Maranhão e do Piauí.

 

As soluções que queremos

O processo de desertificação causado pelo homem pode ser revertido também por ação humana. Nos casos brasileiros, os solos ainda não se tornaram totalmente pobres em nutrientes e com manejo adequado podem voltar à fertilidade.

 

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) criou nos anos 1970 a Embrapa Semiárido, que se tornou o principal programa de pesquisa e desenvolvimento dedicado a transformar as especificidades da região em vantagens para a produção agrícola, inclusive combatendo focos de desertificação.

 

Entre as medidas indicadas pela empresa para erradicar o problema, as principais são a recuperação da mata ciliar (a vegetação que fica às margens de rios e lagoas) e o reflorestamento. Essas ações regularizam o ciclo da água, previnem erosão da terra, criam ambiente favorável para a reprodução da vida animal e ajudam a reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa.

 

A Embrapa também orienta para soluções voltadas à variedade da produção agrícola em solos fragilizados, como os chamados “quintais produtivos”. Neles, os agricultores param de produzir um único tipo de roça para cultivar alimentos variados, e cada planta gera benefícios para as outras (sombra, forração do solo, etc.), diminuindo a necessidade de uso de fertilizantes e agrotóxicos.

 

Esse modelo está em linha com os sistemas agroflorestais, um tipo de produção rural que ampliam ainda mais a diversificação do cultivo, aumentando a renda familiar e a segurança alimentar dos camponeses. Há soluções variadas também para armazenamento de água em zonas com estiagens prolongadas.

 

Embora a resposta científica para o problema já exista, ela depende da ação do poder público para se concretizar. Confira aqui outras medidas contra a desertificação indicadas pela Embrapa.

 

https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/13598120/dia-mundial-de-combate-a-desertificacao-alternativas-para-o-semiarido-brasileiro#:~:text=O%20dia%2017%20de%20junho,Mundial%20de%20Combate%20%C3%A0%20Desertifica%C3%A7%C3%A3o.

 

 

(1) -  https://portal.insa.gov.br/noticias/740-insa-publica-mapas-dos-nucleos-de-desertificacao-do-semiarido

 

por Cínthia Leone, do Instituto ClimaInfo

 

 

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