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Foto: divulgação/DW
Líderes mundiais estão sob pressão para apresentar medidas concretas que reduzam o aquecimento global e evitem uma tragédia climática, tema da COP26, conferência da ONU que ocorre em Glasgow, na Escócia. Nesta semana, eles tiveram algo grande para anunciar: um acordo assinado por mais de 100 países para acabar com o desmatamento até 2030 e apoiar os países onde estão as florestas.
O compromisso é importante pois a derrubada de matas nativas é uma das principais causas das mudanças climáticas após a combustão de combustíveis fósseis. No Brasil, os gases que o desmatamento provoca são responsáveis pela maior parte das emissões do país, 46% do total.
Mas alguns ambientalistas estão céticos com a falta de compromissos específicos no texto, em especial sobre como seria a divisão e gestão dos recursos financeiros para apoiar o cumprimento do acordo.
Além disso, no Brasil, que tem a maior área de floresta tropical do mundo, há especialistas que defendem que o governo não tenha acesso aos fundos de compensação enquanto não mostrar resultados e ressaltam a importância de países ricos também adotarem medidas para deixar de importar produtos ligados ao desmatamento.
O Forest Stewardship Council (FSC), organização que defende a melhoria do manejo florestal, disse à DW que estava satisfeito com o número de países signatários, que representam 85% das florestas do planeta. A adesão do Brasil é especialmente relevante, apesar da péssima reputação do governo Jair Bolsonaro em temas ambientais. Em 2014, 40 países já haviam aderido a uma declaração semelhante que prometia zerar o desmatamento até 2030, mas o Brasil não assinou o texto naquela oportunidade.
Como pagar pela proteção das florestas
Mesmo que o número de países signatários agora seja muito maior, a redução do desmatamento não será viabilizada sem uma estrutura financeira adequada, que faça com que a preservação de florestas seja economicamente atrativa.
"As florestas do mundo não serão salvas por uma declaração política", disse o FSC, "a menos que seja acompanhada de iniciativas políticas e financeiras específicas para fazer com que a proteção florestal e o manejo florestal sustentável sejam soluções economicamente atraentes para as pessoas que dependem das florestas para obter sua renda e sua subsistência".
O financiamento desempenhará um papel fundamental para o sucesso do acordo. Atualmente, ele é apoiado por 16 bilhões de euros (R$ 105 bilhões), um terço proveniente de investidores do setor privado e gestores de ativos, como Aviva, Schroders e AXA.
Mas grupos como a Rainforest Alliance, uma organização intergovernamental que representa países com florestas tropicais em negociações climáticas, dizem que um adicional de 100 bilhões de dólares por ano (R$ 566 bilhões) ao longo da próxima década poderia ser necessário para reforçar o cumprimento do acordo.
"Para as nações em desenvolvimento, as florestas são um recurso. E, infelizmente, árvores ainda valem mais mortas do que vivas. Os governos podem emitir licenças para cortar árvores para retirar a madeira e vendê-la a outros países ou desenvolver a agricultura comercial", disse à DW o diretor de comunicação da aliança, Mark Grundy.
Isso destrói sumidouros de carbono fundamentais e estimula formas de uso da terra que geram ainda mais emissões, mas "traz dinheiro aos cofres de governos", disse Grundy. "Se queremos impedir isso, o financiamento para o carbono dessas florestas precisa ter um valor suficiente para compensar essas licenças."
Comunidades indígenas como "guardiãs"
Os países com as maiores taxas de desmatamento de florestas nativas são o Brasil, na liderança disparada, a República Democrática do Congo, a Indonésia e o Peru. Cerca de 12 milhões de hectares de florestas em regiões tropicais foram perdidos somente em 2020. E um terço disso ocorreu em importantes florestas tropicais úmidas nativas, resultando em emissões de carbono equivalentes às emissões anuais de 570 milhões de carros, segundo dados da organização de pesquisa World Resources Institute.
Essas florestas são também o lar de grupos indígenas, cujo papel de "guardiões" das matas nativas foi enfatizado pelo acordo assinado nesta semana.
Um relatório recente da ONU constatou que as taxas de desmatamento são até 50% menores nos territórios ocupados por grupos indígenas, e concluiu que uma das melhores maneiras de enfrentar o problema é reconhecer os direitos desses povos.
O Grupo de Trabalho Internacional para Assuntos Indígenas (IWGIA, na sigla em inglês), que promove direitos dos povos indígenas, disse à DW que, apesar de representarem apenas 6% da população mundial, os povos indígenas protegem quase um quarto da superfície terrestre global, incluindo áreas de biodiversidade significativa.
"(O acordo) reconhece explicitamente os direitos dos povos indígenas, o que é significativo, especialmente quando se observa a lista dos governos signatários", disse Stefan Thorsell, assessor para assuntos climáticos da IWGIA. Mas ele afirmou que a declaração não faz referências específicas aos direitos territoriais ou de posse dessas comunidades, que enfrentam o risco de serem expulsas de suas terras para dar lugar à exploração madeireira e outras atividades.
"Sem o reconhecimento legal de seus territórios, os povos indígenas enfrentam ainda mais dificuldades para defender as suas florestas e outros ecossistemas vitais", disse Thorsell.
A organização Survival International, que defende a proteção dos povos indígenas, expressou preocupação de que os esforços de conservação possam levar a abusos contra grupos indígenas. Fiore Longo, chefe de campanha da organização, disse que os projetos de compensação florestal permitem que países do hemisfério norte continuem poluindo, enquanto terras indígenas são tomadas para projetos de compensação florestal. Tais esquemas permitem que indivíduos ou empresas invistam em projetos ambientais para neutralizar as emissões que eles criam.
"O mesmo vale para o 'investimento' do setor privado, que acreditamos que será em grande parte para comprar compensações de carbono, portanto não fará nada para reduzir as emissões ou ajudar a deter a mudança climática", disse Longo.
O que mudou desde 2014
A assinatura do acordo nesta semana pode soar familiar, já que um texto semelhante foi firmado em 2014, em Nova York, que se comprometia a cortar à metade o desmatamento até 2020 e a acabar com ele até 2030.
Esse compromisso falhou em grande parte, mas os defensores do acordo assinado na COP26 esperam que desta vez será diferente. De acordo com o World Wildlife Fund, o maior foco em financiamento por parte do setor privado adotado em 2021 ajudará na implementação das mudanças.
"Muitas empresas são mais poderosas do que países em desenvolvimento. Portanto, precisamos de todos os atores envolvidos. Precisamos de alinhamento, precisamos de filantropos, precisamos de capital privado. Precisamos de instituições financeiras participando", disse à DW Josefina Brana Varela, vice-presidente da WWF.
Outra diferença fundamental é o compromisso muito mais amplo com o acordo, com as principais nações florestais, como o Brasil, assinando desta vez. O FSC diz que o número de países que apoiam o acordo é provavelmente o seu "ponto mais forte", já que inclui os países florestais mais importantes e os países desenvolvidos necessários para apoiar financeiramente as iniciativas para alcançar a meta. Deutsche Welle