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por Sérgio Guimarães*
Enquanto a maior parte dos brasileiros que mora nas grandes cidades procura se resguardar na pandemia de Covid, os guardiões da floresta correm perigo. Um manifesto dos indígenas Munduruku, da Amazônia brasileira, lançado no dia 2 de junho, comunicando e lamentando a morte recente de cinco lideranças, guardiões do conhecimento da etnia, simboliza em grande medida o que vive o Brasil nesta semana do meio ambiente. “Essas perdas não têm como reparar, esses senhores, que partiram pela doença Covid-19, são guardadores do conhecimento... É como perder uma biblioteca que ensinava a todos” diz o manifesto, que ainda informa, “são mais cinco Munduruku internados em estado grave em Jacareacanga, hospital sem UTI”.
A grave crise de saúde pública devido ao novo coronavírus, que assola os Munduruku e também o Brasil, com mais de 500 mil infectados e de 30 mil mortes, além da tragédia em si, tem o dom de expor de modo dramático nossa chaga mais profunda: a abissal desigualdade social existente no país; desnudando a imensa precariedade do sistema de saúde, a pobreza extrema, o contingente de 40 milhões de trabalhadores informais, desassistidos de quaisquer políticas sociais e econômicas e as péssimas condições sanitárias das populações das periferias, em sua grande maioria sem acesso a água, ao saneamento, vivendo em precárias de higiene básica e habitação. Exibe a “olho nu” a inadequação da política econômica de auxílio à população necessitada, com enormes dificuldades para acessar o socorro emergencial, e de apoio às pequenas e médias empresas, cuja imensa maioria ainda não conseguiu acessar os empréstimos prometidos a quase dois meses. O que contribui ainda mais para aumentar o drama social e a crise econômica.
Caminhos a serem trilhados pelos diversos segmentos da sociedade na defesa da democracia
A Amazônia vive hoje uma crise dentro do panorama já difícil do Brasil. Nos últimos meses na região, o desmatamento, a invasão de terras e a violência contra grupos indígenas e comunidades tradicionais explodiram. O desmatamento, que cresceu 30% no período de agosto de 2018 a julho de 2019, chegando à quase 10 km2, deverá crescer ainda mais este ano. Os alertas do INPE até abril indicam um crescimento de 94% em relação ao desmatamento verificado entre agosto de 2018 a abril de 2019. A nova taxa anual, segundo estimativas de especialistas, deverá ficar entre 14 e 16 mil km2, uma calamidade ambiental, social e econômica para o Brasil.
O novo recorde que se avizinha está junto com o crescimento das queimadas, cujo pico ocorre nos meses de julho, agosto e setembro, quando o já deficiente sistema de saúde na região fica sobrecarregado por causa do grande número de doenças respiratórias. Se somarmos isso ao avanço do coronavírus na região, que também demanda os mesmos equipamentos, a perspectiva é de um cenário de saúde caótico, com graves consequências.
Para enfrentar essa e outras situações semelhantes nas diferentes regiões do Brasil, os diversos segmentos da sociedade que atuam para reduzir a destruição ambiental e apontar soluções mais inclusivas e sustentáveis e que já vêm trabalhando para contribuir com respostas às crises sanitária e socioeconômica com propostas que indicam novos caminhos para a economia que nos desvie da crise das mudanças climáticas com emissões de carbono, terão que ir muito além do jardim, não podendo se furtar de atuar na defesa intransigente da democracia, nosso bem maior, atualmente ameaçada em nosso país. Pois esse é o espaço onde a sociedade se movimenta para resolver seus conflitos e problemas, que historicamente não são poucos e que no momento estão amplificados e se tornam ainda mais emergenciais devido à conjunção de crises que vivenciamos.
“Temos que resistir, tentar ser ainda mais fortes”, dizem os Munduruku, “mesmo quando paramos e observamos que tem muitas estradas ou rios para caminhar e que não devemos perder as esperanças”. Da mesma forma, todos nós brasileiros também temos que ser ainda mais fortes e manter nossas esperanças. Fortalecer em nós os sentimentos de paz e união para enfrentar e vencer os graves desafios que estão colocados.
Sérgio Guimarães é secretário-executivo do Grupo de Trabalho (GT) Infraestrutura.
Leia o manifesto Munduruku na íntegra aqui.
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Esse texto faz parte da iniciativa Clima Que Queremos, uma parceria do Climatempo e a agência O Mundo Que Queremos para desmistificar temas de meio ambiente, sustentabilidade e mudanças climáticas, com textos novos todas às sextas e segundas-feiras.