Oferecido por
O IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) acaba de lançar o relatório mais completo já produzido sobre os impactos das mudanças climáticas.
Classificado como “um atlas do sofrimento humano” e “um testemunho constrangedor da falta de liderança climática” pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, o texto tem mais de 3.600 páginas e cita aproximadamente 34 mil artigos científicos. O documento foi escrito e/ou revisado por mais de 300 pesquisadores de todas as geografias e discutido, linha a linha, por diplomatas de 195 estados-membros da ONU durante duas semanas.
O texto afirma que algumas consequências das mudanças climáticas já estão “contratadas”, ou seja, já são inevitáveis diante do atual nível de concentração de gases de efeito estufa e aquecimento da atmosfera.
Hoje, o planeta está 1,1°C mais quente do que antes da Revolução Industrial, e os cientistas afirmam que é necessário manter o aquecimento abaixo de 1,5°C, pelo menos, para evitar grandes cataclismas.
Foto: Shutterstock
A publicação trata especificamente dos impactos das mudanças no Clima e é o primeiro do com este tema desde 2014. Em agosto de 2021, um outro relatório do IPCC tratou da forma como a mudança do clima ocorre, por exemplo, em que estágio o fenômeno está, o quão rápido a temperatura está subindo e como cada tipo de gás de efeito estufa contribui para o agravamento do aquecimento global.
Outros dois relatórios do IPCC estão previstos para este ano: o de abril abordará formas de mitigar os efeitos da mudança do clima; enquanto o relatório de Síntese, previsto para setembro/outubro, será peça fundamental para informar governos e outros tomadores de decisão.
As análises do relatório de Impactos sobre o Brasil mostram que o país deve empobrecer em decorrência do aquecimento global, com alterações no regime de chuvas, produção de alimentos e vazão de bacias hidrográficas. E mesmo que os cortes de emissões de gases de efeito estufa ocorram rapidamente, a população brasileira atingida por enchentes e deslizamentos em decorrência de chuvas extremas deve duplicar ou triplicar.
Confira os 5 alertas principais do relatório para o Brasil
Calor extremo
O Brasil está entre as geografias que devem experimentar combinações extremas de calor e umidade - o chamado bulbo úmido - em níveis perigosos para os seres humanos. 31°C já é uma temperatura do bulbo muito perigosa, e a exposição acima dos 35°C e por mais de 6 horas pode ser fatal para as pessoas. Mesmo se os países cumprirem suas metas de redução de emissões indicadas no Acordo de Paris, grande parte da região amazônica experimentará de 1 a 12 dias por ano com a temperatura de bulbo de 32°C.
Mais emissões: Se as emissões forem mais altas do que o prometido, todas as partes do país viverão ao menos 1 dia ao ano sob essas condições. Neste caso, as regiões Norte e Centro-Oeste podem ter até 30 dias do ano sob este risco, e o Nordeste pode chegar aos perigosos 35°C de temperatura do bulbo. O efeito de Ilha de calor torna o risco especialmente preocupante nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio De Janeiro.
Menos emissões: a atual trajetória de emissões globais já contratou este cenário de temperaturas extremas para o Brasil. Se as emissões continuarem a aumentar, as mortes por calor no Brasil aumentarão em 3% até 2050 e em 8% até 2090, mas se os cortes nas emissões forem maiores e mais rápidos, este aumento cairia para 2%.
Seca e chuva
As áreas do Nordeste sujeitas à seca seguirão crescendo, com a previsão de que as chuvas diminuirão 22% neste século na região se as emissões aumentarem. As estiagens se tornarão mais frequentes também no sul da Amazônia, reduzindo a vazão na bacia do Tapajós em 27% neste século e em 53% na bacia do Araguaia-Tocantins.
Mais desmatamento: os efeitos já esperados da mudança climática, com mais eventos de calor extremo no Brasil, combinados com o desmatamento local, podem transformar grandes áreas de floresta amazônica em ecossistemas secos e degradados. Essa consequência catastrófica reduziria as chuvas no país em 40% e romperia a circulação da monção sul-americana.
Se por um lado, a precipitação geral em grande parte do Brasil diminuirá em resposta às mudanças climáticas globais e desmatamentos locais. Por outro, o número de eventos de chuva extrema se multiplicará, com Acre, Rondônia, Sul do Amazonas e Pará entre as regiões com maiores riscos de inundações mais frequentes e perigosas.
Impacto já contratado: mesmo com cortes rápidos de emissões, a população afetada pelas enchentes no Brasil deverá dobrar ou até triplicar neste século, alerta o relatório.
Produção de alimentos
O relatório do IPCC sugere que estes fatores prejudicarão a agricultura no Brasil se as temperaturas continuarem a subir. A produção de soja e as pastagens na Amazônia Legal podem ter uma queda de produção de 33% em um cenário com alta de emissões e mais desmatamento local. A produção de arroz poderia cair em 6% com altas emissões, ou 3% com cortes rápidos de emissões. A produção de trigo poderia cair 21% com altas emissões ou 5% com cortes rápidos de emissões. E a de milho em 10% com altas emissões ou 6% com cortes rápidos de emissões.
O relatório faz uma ressalva de que essas projeções podem estar subestimadas, e cita um estudo que projeta perdas de até 71% na produção de milho no Cerrado se as emissões continuarem a aumentar; ou 38% se as emissões fossem reduzidas muito rapidamente.
Bovinos e Suínos, raramente expostos a estresse térmico no Brasil, podem sofrer com o aumento dos dias de calor extremo, a exemplo do que já acontece na produção de aves. Neste caso, o risco de morte em massa de rebanhos se estenderia a todas as regiões do país em um cenário de aumento de emissões.
Os impactos das mudanças climáticas também prejudicarão a pesca e a aquicultura no Brasil. Se as emissões seguirem altas, a produção de peixes cairá em 36% no período 2050-2070 em comparação com 2030-2050 em resposta à acidificação e aquecimento do mar. A produção de crustáceos e moluscos será quase que extinta, diminuindo em 97% no mesmo período.
Aumento da pobreza
O Brasil já é um dos países mais prejudicados economicamente pela crise climática, segundo o relatório. O texto afirma que o PIB per capita do Brasil é 13,5% menor desde 1991 do que seria sem o aquecimento causado pelas atividades humanas.
O aquecimento contínuo prejudicará ainda mais a economia brasileira se as emissões nacionais e globais não forem eliminadas rapidamente. O calor reduzirá a capacidade de trabalho ao ar livre, particularmente na agricultura, onde cairá 24% se as emissões aumentarem, ou 9% se as emissões forem reduzidas rapidamente. O efeito global da continuidade das altas emissões poderia ser a redução da renda média global em 23%, com renda média no Brasil 83% menor em 2100 do que seria sem a crise climática.
Impactos no exterior
Pela primeira vez, o relatório do IPCC projeta os impactos combinados das mudanças climáticas em diferentes geografias, e o Brasil é um dos países mais suscetíveis às consequências de eventos extremos no exterior. Por exemplo, os impactos sobre cadeias de abastecimento complexas teriam graves consequências para atividades produtivas no Brasil e para a disponibilidade de bens industrializados no país.
O fornecimento global de alimentos é outra preocupação. A probabilidade de perda de 10% ou mais da safra de milho em vários lugares do mundo em um mesmo ano aumenta para 86% se as emissões subirem – mas pode ser limitada a apenas 7% se as emissões forem reduzidas rapidamente.