Plantar 1tri de árvores não impedirá a mudança climática

25/10/2019 às 12:35
por Redação

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Cientistas de todo mundo alertam que plantios em lugares errados podem agravar situação

O dióxido de carbono emitido na atmosfera por meio da queima de combustíveis fósseis está causando o aquecimento da Terra, a acidificação dos oceanos e a mudança do Clima. Uma vez que as árvores capturam carbono através da fotossíntese, esforços maciços de plantio de árvores estão sendo promovidos por alguns cientistas e por grupos de ambientalistas como a solução mais viável para combater as mudanças climáticas.

 

Um grupo de 46 cientistas de todo o mundo, incluindo pesquisadores brasileiros, liderado por Joseph Veldman, da Universidade A&M, do Texas, nos Estados Unidos, está pedindo cautela. Em um Comentário Técnico publicado hoje na prestigiosa revista Science, esses cientistas demonstram que o potencial do plantio de árvores para mitigar as mudanças climáticas foi exagerado em pesquisas recentes e que o plantio de árvores em locais errados pode destruir ecossistemas e, ao contrário do imaginado, pode agravar o aquecimento global. O artigo pode ser lido no link: https://science.sciencemag.org/content/366/6463/eaay7976

 

"Embora o reflorestamento possa ser bom em algumas áreas, originalmente florestais e que foram desmatadas, o plantio de árvores em campos e cerrados naturais destrói o hábitat de plantas e animais e não sequestrará carbono suficiente para compensar as emissões de combustíveis fósseis", afirma o professor Veldman.

 

O Comentário Técnico é uma crítica a um outro artigo recentemente publicado na Science, liderado por Jean-Francois Bastin e Thomas Crowther, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Esses pesquisadores, financiados por uma fundação holandesa sem fins lucrativos (DOB Ecology), um grupo de defesa de plantio de árvores (Plant-for-the-Planet) e pelo Ministério Federal Alemão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, alegaram que o plantio de árvores em praticamente todo o planeta poderia capturar 205 gigatoneladas de carbono, ou um terço do dióxido de carbono emitido desde a Revolução Industrial.

 

Veldman ressalta a relevância do novo estudo: "Como a estimativa de 205 gigatoneladas de carbono divulgada em julho de 2019 era realmente grande, as manchetes em todo o mundo declararam o plantio de árvores como a melhor solução para as mudanças climáticas. Agora sabemos que os dados divulgados nas manchetes estavam erradas".

 

Em sua crítica, Veldman e seus colaboradores demonstram que a pesquisa suíça teve sérias falhas metodológicas, que levaram a uma superestimativa em cinco vezes do verdadeiro potencial de novas árvores para mitigar as mudanças climáticas. Entre os problemas, o estudo original considera que os solos em ecossistemas savânicos e campestres não contêm carbono, quando na verdade estes ecossistemas contêm mais carbono na parte subterrânea do que na vegetação acima do solo (caule, folhas). A pesquisa suíça também negligenciou o fato de que as florestas de coníferas na região boreal e em regiões montanhosas absorvem mais luz solar e emitem mais calor que as áreas sem árvores, de modo que na verdade fazem aumentar ao invés de diminuir o aquecimento global.

 

Finalmente, Veldman e seus colaboradores argumentam que o plantio de árvores em campos e savanas, como proposto pela pesquisa suíça, é prejudicial ao meio ambiente.

Veldman destaca ainda que “Os campos e as savanas, incluindo o cerrado, contêm imensa biodiversidade, que co-evoluiu por muitos milhões de anos e que prestam serviços importantes à humanidade, como a oferta de forragem para animais de criação e a recarga das reservas de água subterrânea. Ficamos preocupados que um foco míope no plantio de árvores reduza a capacidade real das pessoas de se adaptarem às mudanças climáticas. Poucas pessoas percebem que em algumas regiões, como nos ecossistemas boreais e montanos, a adição de árvores pode realmente levar a mais aquecimento”.

 

O contexto brasileiro

 

No Brasil, a cobertura vegetal original de quase um terço do país é de campo e savana, principalmente nos biomas Cerrado, Pampa e Pantanal, mas ecossistemas abertos também estão presentes nos demais biomas. Estes ecossistemas possuem uma biodiversidade comparável à das florestas e fornecem importantes serviços ecossistêmicos.

 

Estudos recentes do grupo de pesquisa de Giselda Durigan, do Instituto Florestal de São Paulo (IFSP) e coautora do Comentário Técnico, têm demonstrado de forma clara os efeitos negativos de um aumento da vegetação arbórea sobre a biodiversidade e também sobre processos hidrológicos. “Transformar a savana aberta em savana com alta densidade de árvores ou em floresta vai ter implicações na recarga dos aquíferos na região, que são importantes para abastecer as populações humanas, além de causar perdas de biodiversidade”, afirma Giselda.

 

Pesquisadora da Unesp e outra cientista brasileira a assinar o artigo, Alessandra Tomaselli Fidelis reitera que estes sistemas reservam o carbono principalmente na parte subterrânea, diferentemente das florestas. “Estes ecossistemas abertos representam 20% do globo terrestre e estão ameaçados e portanto, devem ser preservados e restaurados. Porém, a restauração desses ecossistemas representa um grande desafio, uma vez que pouco se sabe sobre como restaurar grande parte desses ecossistemas, que muitas vezes, são considerados florestas degradas”, explica a docente do câmpus de Rio Claro. “Por conta disso, muitas ações de restauração nessas áreas usam erroneamente o plantio de árvores”.

 

Alessandra reforça o argumento que estes ecossistemas abertos têm um enorme valor para a manutenção da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos e que, principalmente, a restauração não deve ser feita através de plantios de árvores. Os pesquisadores brasileiros envolvidos no novo estudo agora publicado na Science destacam a necessidade de investir na restauração dos campos e savanas do país. “A restauração de todos os tipos de ecossistemas é importante e a restauração de campos naturais e savanas é fundamental para a conservação da sua biodiversidade, bem como de diversos serviços ecossistêmicos”, destaca Gerhard Overbeck, da Universidade Federal do Rio Grande  do Sul (UFRGS), também coautor do Comentário Técnico.

 

O pesquisador acrescenta: “Mas temos, atualmente, um grande problema técnico, até para quem quer restaurar uma área degradada de campo ou savana: praticamente não existem sementes de espécies herbáceas nativas, ou seja, de capins ou ervas, que são um grupo extremamente diverso, no mercado de sementes. Desta forma, ainda é muito desafiador restaurar estes ecossistemas”.

 

Fonte: Science Magazine

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