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Neste momento, a região Centro-Oeste vive uma onda perigosa de calor, com recordes de temperatura alta e intensificação dos incêndios florestais. As chuvas são muito aguardadas para amenizar o calor e ajudar a controlar, finalmente, a temporada seca mais letal da história do Pantanal — dados divulgados hoje pelo INPE indicam 18.259 focos de incêndio na região, maior registro da história e alta de 46% em relação a 2019. Mas quando as primeiras tempestades chegarem, uma nova tragédia ambiental com a morte de milhares de animais será desencadeada, desta vez na água.
Quando a floresta é queimada, toneladas de gases são jogadas na atmosfera contribuindo para o aumento do efeito estufa e consequentemente para as mudanças climáticas globais. Parte da matéria orgânica carbonizada fica no solo, que depois será carreada pelas águas das chuvas até rios e lagoas. Na água, esse material irá se decompor, e nesse processo, a oxigenação da água diminuirá muito, matando peixes por asfixia e causando danos a praticamente todas as espécies que vivem na água. Como os rios da região, incluindo o Rio Paraguai, registram secas históricas, o volume baixo de água tornará esse processo, chamado de decoada, ainda mais intenso.
Quem explica é o professor Wilkinson Lopes Lázaro, pesquisador do Centro de Estudos em Limnologia, Biodiversidade e Etnobiologia do Pantanal da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). Ele faz parte de um grupo de pesquisa com especialistas em várias áreas — biólogos, geógrafos, economistas, engenheiros ambientais e cientistas sociais — que tentam entender o que está impactando os recursos hídricos da região.
“Entre 2008 e 2018 houve uma mudança no padrão das chuvas na região, com diminuição da precipitação em aproximadamente 16%. Foram mais dias sem chuva na época mais seca do ano e diminuição no volume das chuvas desse período de estiagem”, explica.
O grupo do professor Lázaro e outros em todo o mundo também querem esclarecer porque a seca deste ano na região foi tão atípica. Há muitas hipóteses e elas não são excludentes: expansão da pecuária sobre zonas úmidas; um padrão cíclico da região ainda pouco conhecido (o pantanal também pode viver cheias atípicas); influência das mudanças climáticas no padrão de precipitação; e intensificação do fenômeno la niña (um resfriamento prolongado das águas do pacífico que altera o tempo em todo o continente, podendo tornar o Centro-Oeste temporariamente mais seco).
Foto: Iberê Périssé - Projeto Solos
Invasão de tucunaré e poluição por mercúrio
A essa altura, nada pode ser feito para salvar os peixes do Pantanal. Tragédias ambientais como as queimadas deste ano, têm consequências amplas, complexas e incontroláveis, daí a importância da preservação. Mas a decoada que está a caminho não é o único desafio de sobrevivência para os peixes pantaneiros. A equipe de pesquisa da UNEMAT também analisa a origem do aumento da concentração de mercúrio nesses animais e os impactos da introdução de uma espécie agressiva — o tucunaré — que já vem interferindo na fauna aquática local.
Lázaro explica que a concentração elevada de mercúrio nos peixes pode ter duas origens, e a mais provável são as queimadas. Quando o solo é incendiado, ocorre a liberação de mercúrio, que chega aos recursos hídricos e contamina as espécies aquáticas. Mas o garimpo ilegal mais ao norte, na região amazônica, também é investigado como uma possível fonte de dessa poluição, contribuindo para o problema.
Já a invasão de tucunarés tem origem conhecida: um projeto de piscicultura nos anos 1980 teve os tanques rompidos por uma grande cheia, e os animais escaparam para os rios. Inicialmente, acreditava-se que eles não se adaptariam às águas barrentas do rio Paraguai — o Tucunaré é uma espécie amazônica acostumada a rios de água bem clara.
“No Córrego Padre Inácio, havia relatos da presença do tucunaré há pelo menos 30 anos, mas no Rio Paraguai essa presença é recente”, diz Lázaro. “Inicialmente, achávamos que o tucunaré estaria utilizando o rio como corredor para chegar às baías, mas já temos indícios de ele está sofrendo uma adaptação comportamental para viver nas águas do Rio Paraguai”.
Por ser predador, o tucunaré estão diminuindo a população de peixes nativos do pantanal. “Uma medida que pode mitigar esse impacto e que vem sendo buscada junto ao poder público é a criação de uma cota de pesca para essa espécie, regulamentando seu manejo”, explica o professor.