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Desafios da transição da indústria automotiva brasileira

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Foto: abastecimento de carro elétrico na cidade (iStock)

14 min de leitura

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Transição da indústria automotiva pode elitizar mais acesso aos automóveis, aponta estudo do IEMA


O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) lançou no dia 1º de julho, um novo estudo que discute a transição pela qual passa a indústria automotiva brasileira e as perspectivas para a mobilidade urbana. Intitulado “Transição da indústria automotiva brasileira: desafios e perspectivas para uma conversão alinhada à mobilidade inclusiva e de baixas emissões”, analisa possíveis problemas decorrentes como, por exemplo, o desemprego causado pelo fechamento de fábricas no país, algo que já está sendo sinalizado com o atual fechamento de linhas de produção como as da Ford, Mercedes e Audi. O estudo, publicado em português e em inglês, faz parte de um trabalho internacional coordenado pelos escritórios da Fundação Rosa Luxemburgo em São Paulo e em Bruxelas. Ele fará parte de um livro com análises sobre o setor em diferentes países – Eslováquia, Itália, Hungria, México, República Tcheca e Sérvia -, locais onde o setor automotivo se destaca dentro da produção industrial e da geração de emprego qualificado.

 

“O trabalho levantou questões que geram alertas para pensar o desenvolvimento do país. Se os caminhos da indústria brasileira e a transformação digital do século XXI não forem geridos e orientados com objetivos em prol de uma mobilidade urbana inclusiva e a redução de desigualdades socioeconômicas, a tendência é de retrocessos”, alerta David Tsai, pesquisador do IEMA e um dos autores da pesquisa.

 

De acordo com o estudo realizado este ano, os principais riscos são: perda de empregos em toda a cadeia produtiva do setor; a continuação da produção de carros poluidores; a dependência externa para o suprimento de veículos elétricos; a maior elitização do automóvel como bem de consumo; a falência generalizada do sistema de transporte público como o conhecemos hoje com o retorno do transporte clandestino.

 

“Buscamos compreender as transformações pelas quais passam a indústria frente à situação econômica brasileira, as novas tecnologias digitais e a eletrificação, e também que implicações podemos esperar para a sociedade”, ressalta André Luis Ferreira, diretor presidente do IEMA e também autor do trabalho.

 

Segundo o estudo, falta disposição política suficiente para a transformação estrutural da mobilidade urbana, a fim de se fazer realizar um direito fundamental do cidadão, que é o direito ao transporte. O transporte público coletivo, por exemplo, passa por uma crise sem precedentes, sendo um dos principais motivos o esgotamento do modelo de financiamento da operação dos serviços, que é baseado no pagamento das tarifas pagas pelos usuários. Situação agravada pela pandemia de Covid-19. A agenda política tem pouco dado conta de atender às questões emergenciais de curto prazo e para o longo prazo não há planos.


O estudo defende uma percepção de que o futuro da indústria automotiva, do transporte público coletivo e de seus trabalhadores devem ser tratados conjuntamente.

O desenvolvimento tecnológico dos veículos com foco na eletrificação, automação e conectividade pode contribuir com a necessária redução de emissões de poluentes e gases de efeito estufa, mas sozinho não se apresenta automaticamente como uma solução para enfrentar o uso desigual e injusto do espaço viário.

 

“Mas não se pode esperar que uma conversão da indústria, alinhada à mobilidade inclusiva e de baixas emissões, ocorra sem direcionamentos externos”, conta Renato Boareto, pesquisador e um dos autores do estudo. “São necessárias políticas de mobilidade”, completa.  

 

Aprimoramentos estruturais nas cidades são urgentes, implementando políticas ambientais urbanas de maneira integrada incluindo a melhoria da qualidade do ar e a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE). 

 

Se o país continuar dando prioridade ao transporte individual em relação ao transporte coletivo, assim como os novos serviços baseados em tecnologia da informação que vêm surgindo, a situação de desigualdade nas cidades poderá piorar. O uso do automóvel como meio de transporte predominante pode ser ampliado para mais pessoas, mas crescerão proporcionalmente os problemas causados pelo excesso de veículos nas ruas, e, com a degradação do transporte público coletivo, os mais marginalizados ficarão ainda mais sem acessibilidade. É possível alterar esse curso, mas dependerá de uma firme sinalização por uma política consistente de desenvolvimento do país, onde prevaleçam os princípios da Mobilidade como um Direito, da garantia do transporte público como um direito social e universal, e de uma transição energética justa.

 

“Na ausência de políticas públicas que resguardem o transporte como direito-meio fundamental para a realização dos direitos essenciais à dignidade da pessoa humana, o país enfrentará mais retrocessos”, resume Tsai.

 

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Para refletir: resumo do estudo

 

Crise econômica, desindustrialização e maior elitização do automóvel

O país vive um momento de crise econômica generalizada e passa também por um processo de desindustrialização que se destaca no panorama mundial. O automóvel tem se tornado mais inacessível nos últimos anos pela queda da renda e aumento de preços. A venda de veículos depende da existência de compradores que possam comprometer uma parcela de seus salários para o pagamento de prestações de um veículo comprado a prazo. É necessário, portanto, uma certa estabilidade no emprego e um nível salarial que permita a compra. Como já é possível notar a partir do perfil dos automóveis novos licenciados no país, a tendência é o predomínio de modelos de valor mais elevado com crescente participação dos SUVs médios, voltados para as parcelas de mais alta renda.

 

 

Empregos e eletrificação

O número de empregos nas montadoras diminui conforme a crescente automatização das linhas de montagem.

Segurar empregos na atual realidade de baixos níveis de produção tem se mostrado desafiador. Com relação à produção de veículos elétricos, tendência mundial, o estudo apontou que ainda não há expectativas concretas de aumento no número de empregados em comparação com a produção dos atuais veículos com motores de combustão interna. Pelo contrário, é possível que ocorra uma diminuição do número de trabalhadores por veículo produzido decorrente, em parte, pela menor quantidade de peças necessárias para a montagem de um veículo elétrico.

 

 A eletrificação dos veículos é uma grande aliada da redução de emissões de poluentes e de gases de efeito estufa. No entanto, há que se atentar que a sua implantação em um ritmo descompassado da capacidade de produção brasileira e sustentada pela importação, pode gerar ainda mais desemprego e transferência de postos de trabalhos para outros países.

 

Parte deste efeito poderia ser compensado pelo aumento de vagas nas montadoras de chassis e carrocerias de ônibus possivelmente elétricos. Será necessário realocar os trabalhadores da indústria do automóvel para outra cadeia sustentável.

 

Remodelação da indústria

O Brasil experimentou sua última grande transformação tecnológica com a introdução dos veículos flex.

 

Hoje, se depara com a eletrificação da mobilidade a nível mundial. Porém, há tendência de uma longa continuidade da produção de veículos a combustão no país, dada a situação socioeconômica do país e a ausência de grandes movimentos na indústria brasileira na direção da eletrificação.

 

Um cenário provável é o da preferência pelo automóvel híbrido-etanol produzido internamente complementado com a eletrificação do segmento luxo via importações. Neste caso, eventuais benefícios fiscais para a compra de carros elétricos favoreceriam apenas a pequena parcela de maior renda da população.

 

No caso dos ônibus, há demanda pela substituição do diesel por energia elétrica, mas ainda falta uma estratégia nacional para sua implementação. De acordo com o estudo, o Brasil teria condições de expandir esse mercado até internacionalmente, se mantida a histórica influência da indústria brasileira de ônibus nos países vizinhos. Ainda há no país uma disputa pela rota tecnológica de substituição do diesel nos ônibus com propostas diferentes entre as montadoras de chassis (baterias, biocombustíveis, gás, híbrido).

 

Com o foco em emissão zero, deve prevalecer a eletrificação da frota com baterias. No entanto, sem contar com estímulos governamentais para a mudança, a substituição do diesel pelo ônibus elétrico pode falhar porque a indústria do ônibus a diesel está muito bem consolidada.

 

 

Transporte público

 

O uso de fontes de energia e tecnologias veiculares alternativas aos ônibus a diesel pode encarecer os custos operacionais e, sem uma reformulação dos modelos de custeio dos sistemas, afastar ainda mais as pessoas do transporte público, agravando a crise existente.

 

O estudo também apontou uma tendência de desestruturação completa do sistema de transporte público nos próximos anos. O risco é o retorno do transporte clandestino semelhante à década de 1990, como já está acontecendo na cidade do Rio De Janeiro.

Na visão geral, os instrumentos de políticas públicas deveriam ser efetivamente aplicados e direcionados para ampliar a participação do transporte público nos deslocamentos urbanos e sua indústria na geração de emprego e renda. É necessário um novo modelo de negócios para o transporte público.

 

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Novas tecnologias

 

Está em curso no mundo uma corrida tecnológica na indústria automotiva. É amplamente difundida a ideia de que no futuro os veículos serão eletrificados, autônomos, compartilhados, conectados e dotados de softwares atualizados periodicamente.

 

Exemplos são as possíveis parcerias entre a Hyundai, a Apple e o Uber ou a General Motors e a Microsoft. As montadoras estão se preparando para uma nova dinâmica de mercado, com grande participação de serviços como o aluguel, a assinatura e o transporte por aplicativos. Essas mudanças modificarão profundamente o sistema de mobilidade urbana, que resultarão em externalidades positivas e negativas.

 

Um dos principais efeitos é o surgimento de serviços que competem principalmente com o transporte público, conhecidos internacionalmente como Mobilidade como um Serviço (Mobility as a Service - MASS). Os autores defendem que no Brasil deve ser defendido o conceito de Mobilidade como um Direito (MAAR)

 

Sobre o estudo

O trabalho foi realizado entre janeiro e março de 2021 por meio de pesquisa documental e entrevistas com representantes das mais diversas áreas do setor. A primeira parte do documento faz uma breve caracterização da indústria automobilística brasileira, focando a produção de insumos para o transporte público. A segunda parte discute os desafios e as perspectivas dentro do contexto de uma desejável conversão da indústria alinhada à mobilidade inclusiva de baixas emissões. O objetivo foi identificar desafios pelos quais a indústria deverá passar para que possa contribuir com uma mobilidade inclusiva e de baixas emissões conservando, criando e aprimorando empregos.

 

Vale ressaltar que o aspecto focal de mobilidade urbana inclusiva e de baixas emissões é a priorização do transporte público coletivo sobre o transporte individual particular e a aplicação de tecnologias de menor impacto ambiental. O estudo integra um dos objetivos do IEMA: promover a mobilidade urbana inclusiva e de baixas emissões de poluentes atmosféricos e gases de efeito estufa. Ele figura dentro da linha de ação do instituto de avaliar políticas públicas sobre transição energética nos transportes. 

Saiba mais sobre este tema.

 

Sobre o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

O IEMA é uma organização sem fins lucrativos brasileira, fundada em 2006 e com sede em São Paulo. Seu propósito é qualificar os processos decisórios para que os sistemas de transporte e de energia no Brasil assegurem o uso sustentável de recursos naturais com desenvolvimento social e econômico.

 

 

Fonte: IEMA

 

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